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Nós

Atualizado: 14 de jun. de 2022




Eu tenho uma conhecida que morreu por ter engolido um cordão. Louco, né? Foi logo depois de ter sido demitida da repartição. A coitada engolia tanto sapo que acabou engolindo mais coisas do que deveria.


Os médicos não souberam dizer que tipo de cordão era, mas eu imagino que fosse um fio dental. Ora, parece óbvio: ela é demitida, vai pra casa, come um bolo, escova os dentes e passa o fio. Na hora de limpar o dente mais profundo, o fio escapa e vai pro palato e, depois do palato, não tem volta.


Ela ficou um mês com o cordão no estômago e fez de tudo: tomou laxante, forçou o vômito... nada da cordinha sair. A gente via que tinha algo sambando na mulher, mas o que fazer? Que médico indicar? Além disso, ela não admitia, dava desculpas, fazia graça: no pasa nada, arturito…


Era mais fácil fingir que não tinha uma cordinha ali.


Ela tinha vergonha de ter engolido uma bobagem dessas sem nenhuma boa história. Por isso, não contava. Mas eu juro, às vezes eu achava que ela ia contar pra todo mundo, só que aí eu acho que a corda fazia um nó e doía tanto no estômago que não permitia sair a voz.

Ela vomitava todos os dias - diziam os vizinhos.


Era bulimia! - eles chutavam - coisa de mulher neurótica. Na verdade, era um cordão amarrado no corpo, de dentro pra fora. Coitada!


Enquanto estava no estômago até tudo bem. Os médicos da biópsia disseram que no estômago não havia nada que uma úlcera não fizesse nos pacientes normais, e hoje em dia úlcera é fácil de tratar. Mas a cordinha tava lá, fazendo nós e destruindo as paredes gástricas da mulher.


Passava maquiagem para disfarçar as noites sem dormir. Sentia o fio dental tentando subir pela glote mas às vezes tentando descer pelo intestino. O problema é que não tinha jeito de sair pelo intestino por causa dos nós que se formaram. Só sairia por cima. Por baixo não dissolvia e trancava.


Ela estava cansada de carregar o fio. Dava pra ver no rostinho miúdo, carregado de maquiagem, que ela precisava de um descanso. Tinha sido demitida e agora isso de engolir fios. Sem dinheiro, sem solução. Uma agitação a mais com a família e a fita subiu para a garganta e deu outro nó.


Com o nó na garganta, ela mal respirava de dor. Tinha que concentrar a respiração e ainda segurar o choro. Depois de uns dias ela tentou puxar o fio da garganta no banheiro: fez uma pinça com os dedos e quase alcançou a ponta do fio. Tentou de novo: conseguiu, mas quando puxou, o nó apertou mais.


Aí ela pegou uma tesoura de sobrancelha e cortou a própria garganta.

Tinha tanto sangue na cena do crime que os médicos legistas não conseguiram dizer que tipo de corda atormentava a mulher. Um psiquiatra chegou a dizer que não havia cordão nenhum, que estávamos loucos.

Ninguém discordava da existência dos nós na garganta.


Este texto é de autoria de Izadora Troian.

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